sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

“ (…) Órfã de pais vivos (…)”

“ (…) Órfã de pais vivos (…)”
Não sei precisar se li, ou se ouvi, esta frase. Apenas sei que esta nunca mais me saiu da cabeça. Em primeiro lugar, porque é uma frase poeticamente muito bonita, mas principalmente, porque me soa a familiar.
Embora saiba que os meus pais me amam, muitas vezes sinto-me órfã, de ternura, amor, acolhimento. Eles não sabem expressar o amor que me têm – porque têm, pois este é inerente ao sangue que nos une. Ás vezes, nas poucas noites em que nos encontramos os três juntos, sinto que eles até gostariam de demonstrar, em gestos, que são meus pais, mas raras são as vezes que o conseguem. Há qualquer coisa que trava os seus carinhos. Um desses impedimentos, por vezes sou eu, que por falta de hábito os renego. É com alguma estranheza, e também com muitas defesas, que poucas vezes deixo que qualquer gesto mais caloroso entranhe em mim.
Ao pensar mais seriamente nesta situação, deduzo que será por medo de um dia poder vir a sentir falta destes sentimentos e não os encontrar, então penso, se não os conhecer, não poderei sentir a falta dos mesmos.
Quantas vezes me apeteceu cuidar dos meus progenitores...
Quando vejo o meu pai mais em baixo, muitas são as vezes em que me apetece ser mais que sua filha de sangue, desejo ser sua amiga e ganhar coragem para o aconselhar, o beijar, e dizer que gosto dele, que tenho muito orgulho pela sua força de vontade. Mas não consigo, tenho medo que toda esta ternura seja por si renegada ou incompreendida.
Quando vejo a minha mãe doente, com dores e sinto a infelicidade nos seus olhos, só me apetece sentá-la ao meu lado e despejar em cima do seu coração todo o amor que tenho guardado em mim, e que lhe pertence. Mas nem um único gesto meu é valente o suficiente para desobedecer ao meu medo de rejeição. Nem uma única palavra foge do meu coração, nem uma.
Tenho tanto medo de nunca ganhar coragem, para lhes demonstrar que sou de facto mais que uma filha de sangue, para lhes dizer que o meu amor também os abraça a eles.
Por culpa deles – e das suas infâncias pouco sorridentes e calorosas.
Por culpa minha – de ter herdado as consequências das suas infâncias infelizes, sem sequer as questionar ou de lhes ensinar outra forma de viver.
Toda esta situação, por vezes, faz-me sentir órfã de pais vivos.

2 comentários:

Anónimo disse...

A importância dos pequenos gestos... Quando não conseguimos mostrar o nosso amor, quando não concretizamos o afecto para com a nossa família... Aprendemos a valorizar os pequenos gestos.
A raridade de um abraço ou de uma mão dada, torna mágico o momento em que o toque acontece...
Podemos não expressar claramente o amor que nos une à nossa família... Mas eles sabem que nós sabemos que eles sabem. E nesse momento, o nosso olhar diz tudo e ficamos desarmados.

Andreia disse...

Saberão mano? saberão bebé? Ou o vazio é sempre este que tão bem exprimiste de querer avançar e ao invés dar sempre dois passos atrás. Por nossa culpa, por culpa deles que levantaram as paredes entre nós. O remorso no fim, é todo nosso, no entanto. E dói cansado de indiferença e encarquilhado de amor ressequido. Não basta o sangue. O que morrerá connosco é o que não demos, é o que não sentimos. E a culpa que cresce minuto a minuto nos peitos feridos. Tentamos mais uma vez desmascarar a mentira entre nós? Amamos ou não? Ou continuamos a martirizar uma verdade que é falsa? Afinal pode mesmo ser só sangue...